quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Manga


Cavado o buraco mediu bem o diâmetro da própria cabeça pra ver se cabia.
Cabia e ainda sobrava espaço pros braços.
Mas os braços era melhor pendurá-los no galho de uma árvore pra pegar um ar.
Já que não sabia voar era provável que por dentro da terra fosse seu lugar
ou quisesse que fosse.
Olhou, mediu, assobiou, Silvou, tossiu e decidiu saltar.
O buraco parecia um vizinho, uma assistente social, um porteiro.

Manga.
Manga pra depois do jantar.

Tirou a camisa, pendurou junto dos braços e serenou.
Outras horas depois já descalço tirou os pés usados
e saltou.
O buraco tinha 2 centimetros
mesmo assim foi até o fundo
e desapareceu.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

efêmero


Colecionava amores efêmeros como quem coleciona livros. Assim, os mais raros. Assim, os mais distantes. Amores curtos longos de verão. Amores suados, inundados de palavras ocas, vãs. Amores de onde se enxerga o ponto em que termina. Ainda assim, amores.
Começara cedo, era menina. Sabia desde sempre que o amor se fazia na impossibilidade de sua permanência. E que justamente por isso, amores com prazo de validade conseguiam ser mais potentes. Não se economizava sentimento, não se economizada vida. Era amor devorado como as páginas amarelas lidas em silêncio (em sufoco).
Começara cedo e seguia o rumo sendo assim. Se apaixonava justamente por quem morava longe de casa. Quanto mais longe, mais amo. E começava estando perto, muito perto, e desse tão perto não se fingia nem dispensava. Havia de se viver tudo com a máxima intensidade, era declarado o dia em que tudo terminaria. Vivia vivia vivia, as emoções escancaradas em limpidez. Não havia porque fingir que não.
Como quem coleciona livros roubados, vivia amores das mais diversas localidades. Copacabana, Salvador, Budapeste, Londres, Itapema, Madagascar, Estocolmo, Barreirinhas, São Gotardo, São Gonçalo, São Paulo, São Luís. Km de distância marcavam o tempo justo das coisas. Era sabendo-se distante que se fazia mais sincero. E puro.
Um dia chegaria a data de validade. Dia de devolver o livro na Biblioteca. Dia de comprar a passagem de volta. Pois é claro que se poderia tentar forjar a data do fim. Esconder o livro dentro da blusa, queimar as malas, tampar o rosto. Ainda assim, não haveria remédio. Existia um prazo de validade. Não há amor que sobreviva ao amor.
Voltava pra casa então. Passos lentos emoldurados de lágrimas. Todas as lágrimas do mundo de todas as nacionalidades todas as cores. Voltava pra casa sozinha outra vez.
Colecionava amores efêmeros como quem coleciona livros.
O coração escorria pela boca.
Dizia: sim.