domingo, 22 de agosto de 2010

noite

Era preciso voltar. Ver de perto bem de perto o que restou. Que espécie de amor era aquela. Era preciso com as mãos abertas redescobrir uma estória. Despedaçar. Esquecer pra lembrar. Inventar outra. 
Ele decidiu visitá-la. Ela abriu a porta como jamais pensou que abriria de novo. Recebeu de braços abertos, abraços. Os braços dele. Ele estava de volta.
- Eu percorro distâncias longas demais pra te encontrar. - ele disse. Ela riu em silêncio quase-em-tom-de-sarcasmo. Ele sabia bem que era ela quem vinha de longe. Era ela quem vinha. Sempre.
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Ele entrou na casa. Sentou na mesa. Tomou café. Sorriu. Ela sorriu de volta. Falaram de coisas, trabalhos, desejos, destinos, brasil. Pra onde vou? Pra onde vai? E hoje? E agora? E o que mais? Mais risos. Ela estava a vontade. Pediram cachaça, brindaram, beberam. Em silêncio fizeram um pacto: jamais comentar sobre o acontecido - essa seria a única estratégia pra continuarem sendo próximos.
Ela olhava pra ele como quem olha um parente que envelheceu. Havia ternura, mas já não era mais tão especial. O amor tinha se tornado menos promessa. E era amor? Não esperava. 
Ele talvez esperasse. Procurou na sala a menina de meses atrás. Aonde? Cadê? Sumiu?
A noite caiu noite adentro. Ele resolveu partir. Despediu-se duas vezes, como quem esquece que já disse adeus e chorou. De novo ao pé da porta, disse ao pé do ouvido: "Muito bom te ver, minha menina."
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Ele foi. Alta noite ia, um homem velho caminhava sem jeito de olhar pra trás. 
Ela na janela, sorriu de perto e viu a morte de um tempo que passou. Olhou pra frente. Voou.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

demodê


Cinco anos depois, no pós do pós do pós, tenho notícias suas. Logo agora, que me encontro aqui, no entre. No espaço que antecede o salto e já não é mais pouso. Se fosse música, eu estaria tocando em fermata.
Nossos encontros tornaram-se rasos com o tempo. Ocasionais, vazios de discurso. Melhor assim, não sei bem o que foi que nos ligou durante o tempo que éramos juntos.
Passou. 
Passou.
E agora, justamente agora que meu pé toca o entre - o mesmo entre que você pressentia cinco anos atrás e me falava, agressivo, que um dia ele chegaria - me vejo em emaranhados de trajetos. De rumos. Possibilidades. Perguntas. Dores de barriga. Não encontrei ainda um colo que te tirasse da referência maior. Mas sigo.
Só que hoje, cinco anos depois, na hora do almoço, tenho notícias suas. Notícias vindas de um pombo-correio inadequado. Um motivo pra sua ausência de delicadeza - por ela perdi minha vida. Lembra? 
Você não lembra. Claro que não lembra. Pois justamente agora entendo o trajeto que você nunca descartou. O suposto caminho do artista vago, impostor. A velha turma, o iê iê iê. Viver eternamente adolescente, nada é mais demodê.
É triste ver. Tanto fulgor pra nada, um caminho desperdiçado.
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Parabéns Pierrot, você continua um palhaço.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Hébuterne. Talvez fosse isso...


Os dois olhos vazados na fotografia diziam que a brasa do cigarro tinha feito mais estrago que o previsto. Era uma segunda feira braba e eu não tinha muito controle do que entrava e saia de mim. Meses vivendo uma alegria besta de vaca, de carne, de vigília estúpida esperando mais felicidade, mais alegria, mais verdade deixando passar a hora de comer, a hora de tragar sem culpa o tempo.
Me virei para o lado tentando encontrar que horas eram. O som da cidade do lado de fora do apartamento tinha um som aquático, marinho e eu começava a naufragar antes mesmo de começar o dia. Sentei-me na cama como quem finge que precisa se lembrar o que aconteceu no fim de semana mas eu não queria. Mas era preciso por uma culpa estranha de não se lembrar de nada. O dia caminhava rumo ao começo da tarde e sempre que é assim (e isso tem acontecido várias vezes nos últimos meses) fica em mim a sensação de ter gritado toda minha raiva por tudo que eu não entendo entre a sexta e o domingo com todos os sons possíveis, toda a força do me ar, dos meus dedos, da minha vontade. Perdi meu final de semana gritando uma verdade que não conseguia me lembrar naquela segunda.
Ou era terça? Quarta?...Quinta...Sext.....