segunda-feira, 25 de abril de 2011

da mesma fonte

então eu vou deixar que você escorregue pelos meus dedos devagarinho, como água que escorre da mesma fonte e transborda. vou deixar que você solte as minhas mãos e saia caminhando leve pela chuva, deixando que a água, o mar, tudo exista em silêncio, em penumbra, em vastidão. vou deixar de apertar seus braços e soltá-los com cuidado, e então virar de costas, fechar os olhos, respirar fundo e permitir que você seja guiado pelos próprios passos, pelo próprio coração. vou deixar você ser esquecido e ser somente habitante de lembranças minhas, promessas desmedidas de um amor maior. vou observar você de longe enquanto mergulha no mar sozinho, enquanto molha os cabelos e promete coisas pra si e nada mais. vou deixar você se afundar em palavras ocas, em outros olhos, outros mares e que você se lembre de mim com ternura, como se fosse verão, como se fosse verdade, como se fosse alguma coisa um pouco mais que isso tudo que. vou fazer com que a gente exista de longe, como duas coisas que justamente por serem tão longes não foram capazes de existir. não vou chorar, prometo. não vou chorar mesmo.

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solto suas mãos para que você mergulhe em outros ares e que eu seja capaz de em outros mares navegar. 

domingo, 17 de abril de 2011

como quem partiu ou morreu



Minha solidão conhece a sua. Ninguém até hoje te compreendeu mais do que eu e você sabe. Ninguém até hoje me compreendeu menos do que você. Você sabe? Parece que agora, depois do sim, depois do não, volto ao ponto inicial. Retorno ao começo dos começos, ouço as mesmas músicas, visto as mesmas roupas, saio com os mesmos amigos. Nada aconteceu. É como se você fizesse parte de uma invenção minha, de algum delírio pessoal. A gente realmente esteve juntos alguma vez? De agora em diante elaboro projetos, crio canções, ensaio cartografias afetivas, declaro lemas mentirosos pros outros. Meu corpo está cansado de tanto girar. Meu coração está partido. Temo que meu coração tenha se partido pra sempre. Temo também que você tenha deixado em meu peito um terreno devastado, antigo, impenetrável, como você está e há tanto tempo vive. Você vive? Você vive. E como vive. E você existe. Você existe? Não sei se você existe. Não saber se você existe é o que mais me dói. E me atormenta, e me consome, e me esvazia. Diariamente, sem fim, já chega. Quero esquecer, não posso esquecer, devia esquecer. Crio explicações bobas pra entender o seu silêncio. E não explico, e não enxergo, e não entendo. Posso entender, não quero entender, devia entender. Em que lugar você se encontra agora? Com quem? Por quem? Com qual delas?

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Pretendo seguir como quem perdeu um ente querido e chora todas as noites por sua morte, no profundo silêncio. Mas de manhã cedo, quando o sol levanta, não se esquece nunca de olhar pro céu.